07/03/80 • OS CAMINHOS DA DOUTRINA
Década de 80 > 1980
Salve Deus! Meus filhos Jaguares:
Explica-se a diferença entre a Velha Estrada e o Novo Caminho.
A Velha Estrada é cheia de medo, de temor a Deus. A Velha Estrada foi palmilhada por mil pessoas, mil teorias sempre escritas e nunca praticadas, enquanto o Novo Caminho, foi traçado pelo suor, pela própria energia de quem o escreveu e vive a emitir com tanto amor.
Vamos sentir o Caminho do Amanhecer, sem superstições e sem as teorias dos pensadores, e sim pela vivência, na prática, na execução desta Doutrina e de seus fenômenos extrassensoriais. Vamos senti-lo no respeito à dor alheia, no carinho aos humildes, no afeto das ninfas, no progresso e na compreensão de nossa família.
Este é o caminho traçado para o Homem na Doutrina do Amanhecer!
Quem diria que, naquela era distante, os Enoques levassem tão alto esta filosofia, esta corrente. Sim, Pai João, o mais velho, observava com mais precisão o desenrolar das vidas nos carmas. Suas preocupações aumentavam, enquanto Pai Zé Pedro filosofava, reclamando de vez em quando. Os dias passavam sem qualquer anormalidade, isto é, com fenômenos que ali já eram corriqueiros. Porém, só Deus sabia como e onde chegariam. Dias alegres, dias menos alegres, porém sempre com harmonia, até que as forças foram se materializando e tudo começou a ser mais verdadeiro, mais preciso.
Pai João se inebriava com todos aqueles fenômenos e estava sempre à espreita dos mínimos acontecimentos, cochilando sempre debaixo de uma pequena árvore.
O pequeno arraial estava tranquilo quando Pai João, em um de seus cochilos, viu um finíssimo fio magnético entrando em uma das cabanas e, ao mesmo tempo, ouviu o grito desesperado de alguém que fora atingido. Era fenômeno mediúnico, puramente espiritual. Era a jovem Iracema que rolava de dor na espinha, como se tivesse levado uma pancada.
Pai João correu e fez uma elevação, tirando-lhe a dor. Começou então a pensar no que ele havia enxergado e, no entanto, tinha certeza de ter visto aquele fio saindo da cabana do feitor. Chamou Pai Zé Pedro, contou o que vira, e os dois começaram a ter medo da situação.
Nisso, Jurema, manifestada por um caboclo, começou a dizer:
– Meus filhos, tomem cuidado! Este feitor é um instrumento feliz de evolução. O pobre infeliz vive ainda pelas mãos caridosas de Sinhá Sabina. O fenômeno foi visto por vosmicê, João, para que tome cuidado.
– Como? – perguntou Pai João.
– Ele vai entrando em transe e sua alma ruim, odiosa, pega a quem ele mais ama ou odeia.
– Salve Deus! – Exclamaram todos de uma vez.
– E eu que pensava que somente os desencarnados atuavam!… – disse João.
– Sim, – continuou o caboclo – estão em uma jornada para desenvolvimento e até que passe todo o carma da escravidão.
– O Homem será feliz quando ouvir a libertação? – perguntou Pai Zé Pedro.
– Não, – continuou o caboclo – o Homem jamais se libertará!…
E, dizendo isso, deixou Jurema e se foi.
Todos ficaram sem entender nada. Só Jurema entendeu e saiu correndo dali para a cabana do feitor, decidida a falar com ele e dizendo que iria matá-lo.
Pai João interferiu, dizendo:
– Jurema, a concepção da morte resulta de um entendimento completamente errado da vida, porque, na verdade, ela jamais existiu. O espírito não morre e, então, irá mil vezes nos atentar. Matando-o, ele ficará mais leve, mais sutil. Todos os que se perdem pelo pensamento e se enchem de ódio, ao serem desencarnados e no astral inferior, evidente, voltam, sendo mais comuns as suas crises furiosas. Vamos, Jurema, tentar doutriná-lo antes que morra e se torne invisível aos nossos olhos.
Chegando à cabana do feitor, viram que ele estava esticado numa cama de varas e capim. Sabina veio ao encontro deles, sorridente, e o feitor começou a espraguejar e Pai João iniciou uma doutrina. Com medo de Jurema, que o observava com seus olhos verdes amendoados, disse baixinho, escapando de seus lábios:
– Pobre imperador! Viestes com tão nobre missão… No entanto, eis o que restou. Pensa, Eufrásio, no que te digo. Vou levar Jurema e voltarei.
O dia já estava terminando quando Pai João e Pai Zé Pedro se encontraram e se entenderam. Pai Zé Pedro, deslumbrado, ficava repetindo:
– Irradiação dos encarnados… Se desprende do corpo e se manifesta com a mesma leveza do espírito dos mortos…
Nisso, um grito e, em seguida, gargalhadas. Pai Zacarias caíra na cachoeira e estava todo molhado. Porém, nada de mal lhe havia acontecido, senão o susto.
Coisas desta espécie sempre aconteciam. Sim, esta alegria durou pouco. Chegou o feitor da fazenda onde Juremá vivia. Todos se assustaram com o visitante.
Ele chegou arrogante e já ia pegando Juremá quando Tomáz gritou:
– Larga, porco imundo! Aqui é diferente! Nem tente, porque você vai morrer.
O feitor esporeou o cavalo e marchou para cima de Tomáz, num minuto passando por cima dele, esmagando seu estômago. Quando Pai Zé Pedro e Pai João chegaram já era tarde demais. Tomáz estava morto!
Os gritos de todos faziam terror naquele lugar. O feitor foi fugindo, levando Juremá. Era grande demais aquela dor. Ninguém se lembrou do feitor assassino e nem de Juremá.
A morte de Tomáz veio trazer tanta tristeza, que mudou a sintonia do lugar.
Os nagôs não falavam e não cantaram mais. Nas fogueiras, riam algumas vezes. Porém, a harmonia continuava.
Começaram, então, os projetos para buscar Juremá. Tomáz fora quase criado com Pai Zé Pedro. Três nagôs, que muito amavam Pai Zé Pedro, resolveram buscar Juremá e, calados, sem que ninguém soubesse, fizeram uma matula na mochila e lá se foram, sem os outros saberem, mas Jurema viu tudo na sua vidência. Pai João sentiu tudo. Porém, todos se fizeram de desentendidos e ninguém impediu os três nagôs. Jurema não encarava Pai João nem Pai Zé Pedro. Ainda vivia o espírito de vingança pelo seu querido Tomáz!
Realmente! Chegaram Joaquim e Cassiano, trazendo Juremá. Novamente um reboliço. Juremá não conseguia falar, perdera a voz. Todos queriam saber o que tinha havido, porém ninguém dizia nada e, também, ninguém tinha coragem de perguntar nada. Todos em volta da fogueira, e só se ouvia o murmúrio da cachoeira. Ninguém tinha mesmo coragem de quebrar aquele silêncio.
De repente, Jurema deu uma risada e Janaína foi para perto dela. As duas se abraçaram, porém Jurema assumiu uma atitude que não era dela.
– Salve Deus! – e se dirigindo a Joaquim e a Cassiano, continuou – Por que fizeram isso? Mataram o feitor e o seu senhorzinho. Isto não é ação de um filho de Deus que está a caminho!… Joaquim, terás que voltar e receber, como filho, o feitor. E tu, Cassiano, terás o teu senhorzinho também.
A essa altura, Cassiano e Joaquim já sabiam o que Jurema queria dizer…
– Me perdoe, bom espírito! – disse Joaquim – Aquele malvado matou Tomáz com sua covardia!…
Cassiano perguntou, também, se poderiam continuar vivendo ali.
– Sim! – disse o espírito em Jurema – Deus não tem pressa. Cada um, aqui, assumirá sua sentença ou libertação.
Jurema enchia-se de cuidados por Juremá. Tão logo terminou a incorporação, cada um voltou a seu estado de alma. Uns foram dormir, outros ficaram ali na fogueira, até novos gritos.
Meu Deus! Novamente o fio magnético! Novamente Iracema atingida pelo feitor Eufrásio. Tudo de novo! Correrias, até que Pai João liquidou com uma elevação, porém não antes de muito trabalho.
Os dias decorreram e notava-se que Iracema a cada dia ficava mais pálida, com ar de doente. Tudo ia de mal a pior…
Certo dia, fizeram uma vidência para saber o que deveriam fazer com a pobrezinha Vovó Cambina, vinda da Bahia para tirar o quebrante dos filhos da sinhá. Estando na sessão naquela noite, preferiu seguir seus irmãos naquela jornada. Vovó Cambina rezou. Iracema, com seu passe magnético, foi melhorando e, da maneira que ia se fortalecendo, ia também adquirindo forças para repelir. A esta altura, as coisas já haviam tomado um vulto muito sério. Ninguém se lembrava mais de Tomáz. Toda a concentração, agora, era no feitor Eufrásio. Era preciso fazê-lo seu amigo, antes que ele os atingisse, Sim, Pai João explicou que, se o doutrinassem, ele deixaria de atacá-los com seu magnético. O feitor passou a ter constantes visitas e, realmente, foi melhorando, a ponto de chegar a pedir perdão muitas vezes.
Eufrásio passou a ser o confidente daquele povo. Sim, Eufrásio fora um grande senhor que perdera a sua fortuna e sua família no jogo, e fora obrigado a tomar aquele lugar de feitor naquela fazenda da tragédia. Mias uma vez o homem se liberta por si mesmo. Pai João e Pai Zé Pedro estavam sempre a ensinar sua doutrina, seu amor, e ele ensinava, também, o que sabia dos mundos por onde andara. Vovó Cambina da Bahia lhe rezava todos os dias e a vida, apesar de sua harmonia, só agora voltava o normal das entoadas das fogueiras alegres.
Estavam todos sentados, quando ouviram um barulho no mato, como se fosse uma boiada em disparada, quebrando tudo. Cada um carregou suas espingardas e se entrincheiraram. Eram porcos selvagens. Porém, passaram por fora, e os nagôs ainda mataram mais de vinte, fazendo fartura de carne.
Pai Juvêncio e Zefa eram os únicos que tinham coragem de ir até um lugarejo por nome Abóbora. Chegando na entrada da cidadezinha, viram uma menina desacordada nos braços da mãe. Pai Juvêncio chamou Zefa, cochicharam nos ouvidos e benzeram a menina, isto é, tiraram o espírito, e a menina ficou boa. Tânia, a mãe da menina, deu algumas frutas como pagamento e se desculpou por não ter mais nada. Pai Juvêncio e Zefa comeram as frutas, trataram dos negócios e se encaminharam de volta para casa. Chegaram felizes em casa, porém, quando pisaram a soleira da sua porta, sentiram uma enorme dor. As barrigas começaram a doer, doer a ponto de chamarem Vovó Cambina da Bahia. Nada fazia passar. Uma porção de conjecturas. Seria veneno? Apesar de tudo, as desinterias pioravam e, por incrível que pareça, eram os dois.
– Pobrezinhos! – dizia Pai João – Resolveram tantas coisas boas para nós! Deve ser alguma provação, Deus testando seus corações…
Todos, que estavam na fogueira, queriam notícias. Nisto, Jurema, que estava ao lado de Pai Zé Pedro, se levantou bruscamente, e apontando para os dois que estavam abaixadinhos na roda da fogueira, gemendo de dor, disse:
– Eles comeram a prenda que ganharam pela sua caridade!
– Como? – disse Pai João – Pena Branca não quer que a gente ganhe nada em troca do que faz!
– Sim, – disse Vô Agripino – a gente só aprende com o espírito fincando um espinho na carne! É, Pai João, todos nós temos um espinho na carne…
– Ó, meu Deus! – gritaram em uma só voz – Sim, estamos conscientes!…
Graças a Deus, Vô Cambina já estava chegando com a cuia de chá e eles, após tomarem seus goles, contaram o que se havia passado. Todos abraçaram os dois por sua ação. Sim, era couro! Juvêncio e Zefa haviam comido prenda da caridade que fizeram. Sim, receberam pagamento, e Pena Branca não gosta nem de presentes, nem que se cobre pelo bem que praticamos.
Zefa e Juvêncio ainda passaram mais uns três dias com dor de barriga. Tudo foi alegre e passou. Eufrásio, que agora era o conselheiro do grupo, achou dois pontos de muita importância: primeiro, as frutas, uma vez que Pena Branca não aceita pagamento pelo trabalho mediúnico, e, segundo, a denúncia de Jurema que, em sua clarividência, viu o que se passou. O pobre casal fora lesado pelas suas mentes preguiçosas!
Tudo estava espiritualmente pronto. Pai Zé Pedro e Pai João se regozijavam com a situação. Pai Zé Pedro sempre perguntava:
– O que será de nós? Onde iremos? O que será de nós? Não seria melhor sairmos, em vez de esperar o mundo aqui? Eu já não suporto mais! Ó, meu Deus!…
– Zé Pedro! – disse Pai João – Quando o celeiro está pronto, o mestre aparece… Palavras de Vô Agripino.
Pai Zé Pedro, Pai Lourenço, Pai Francisco e muitos outros, dos setenta membros daquele grupo, estavam inquietos, exceto Pai João e Eufrásio, o feitor, que, firmes em Vovô Agripino, estavam calmos.
Naquela manhã, Jurema avisou a Pai Zé Pedro que chegaria muita gente para se curar. Os nagôs se reuniram e se prepararam para recebê-los. Sim, já estavam ali há dois anos!
– Lá vêm eles! Lá vêm eles! Vejam lá embaixo…
Só se via gente correndo para esperar os chegantes.
Zefa e Juvêncio reconheceram a mulher da menina que haviam atendido. Juvêncio gritou:
– Jurema! Pai João! Pai Zé Pedro! São gente em busca da caridade!
E perguntou, baixinho, ao Pai João:
– Não tem perigo da minha barriga doer?
– Não! – respondeu Pai João.
Foram chegando e enchendo o ambiente de alegria. Que maravilha! Todos estavam felizes, a felicidade dos missionários de Deus! Foi lindo! Suas curas desobsessivas, o amor, a dedicação de toda aquela gente!
Meu filho, eu gostaria de contar mais desta história. Porém, Manoelzinho, 7º Raio Adjunto Yucatã, não me deixa, porque ele é, também, um personagem da cachoeira do Jaguar. E você, meu filho. Procure se encontrar também.
Com carinho, a Mãe em Cristo,