09/10/77 • CARTA ABERTA Nº 4 - Acervo Koatay 108

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09/10/77 • CARTA ABERTA Nº 4

Década de 70 > 1977
Atendendo insistente convite dos filhos para “tentar” descansar, Tia Neiva deixou-se levar a um conhecido refúgio turístico de Goiás… Em meio a viagem, o resultado descrito. Gravada em áudio sob o título: Uma rosa vermelha.
         Salve Deus!
         Meu filho Jaguar,
         Esta carta tem um sentido mais profundo de amor, porque tudo começou da maneira mais original que já senti, vi e ouvi em toda a minha vida.
         Deus fez o homem para viver cem anos neste mundo e ser feliz no livre arbítrio, onde ninguém é de ninguém, na liberdade total da alma que aspira nas afinidades do sentimentalismo; onde o Sol e a Lua, a Chuva e o Vento, tão distintamente controlados afetam.
         Assumimos o compromisso de uma encarnação. Juntos partimos, não só pelas dívidas em reajustes como, também, pelos prazeres que este planeta nos oferece.
         Sim, estando no espaço, devendo na Terra, nos sentimos desolados e inseguros, porque estamos ligados pelas vibrações contraídas. E neste exemplo, Jesus nos afirma que só reajustamos por amor.
         Tudo começou assim: Viajava para uma estação de águas e, apesar da velocidade do carro, uma linda mulher, marcando mais ou menos dois anos de desen-

carnada, emparelhou ao meu lado e, como se estivéssemos parados, começou a contar sua vida, que muito me impressionou pela maneira natural.
         Morava ela na cidadezinha por onde eu passara e amava perdidamente o seu esposo Antonê, era como se chamava.
         – Porém, perdi a segurança e comecei a sofrer e fazê-lo sofrer. Inimizei com toda a família. Passei a viver num suspense terrível. Se saíamos para uma festa e ele estivesse alegre e feliz eu começava a me torturar e acabava por manifestar qualquer mal, contanto que ele se sentisse infeliz.
         E, estando triste, eu começava, também, as minhas suspeitas.
         Olha, como martirizei a vida do meu pobre Antonê. Sim, de toda sua família.
         Não tive filhos, porque filhos me separariam, não dariam tempo de correr atrás do meu marido.
         Pensava

nos conselhos de minha sogra, conselhos tão queridos que me davam mais suspeitas, até que rompi com toda a família.
         Então, Antonê começou a mentir-me. Um dia o vi conversando com uma moça que havia sido sua namorada. Fiz um escândalo terrível. Porém, desta vez, ele permaneceu numa atitude afirmativa e eu tive medo. Depois ele disse em tom firme:
         – De hoje em diante, irei todos os dias à casa de minha pobre mãezinha, que você destruiu. Você não me impedirá!
         Sim, foi como se o mundo tivesse acabado para mim. Parecia um outro homem. A sua personalidade que eu não conhecia.
         Desde então, fui perdendo o controle, e agora, sentia imenso o que havia perdido.
         Toda a minha arrogância, sem recursos para lutar, pois só temos forças quando estamos na lei de auxílio,

amando ou por missão, porém, não como eu, odiando.
         Comecei a sentir saudades do que havia perdido. Chegava perto dele e, apesar de sua tristeza, ele sempre me correspondia. Pensei em ter um filho, pois era o seu ideal. Fomos ao médico. Este, um velho conhecido, disse, com a intimidade que tínhamos, que um filho não encomendamos quando queremos.
         E, disse mais: que pela minha expansão, falta de controle, eu havia me descontrolado e precisava de tratamento e religião.
         Saí dali pensando: - Como recuperar o que estava perdido?
         Propus pedir perdão à minha sogra, porém ele me advertiu que minhas cunhadas ainda estavam sentidas demais comigo. Não deveria, então, chegar até lá.


         Fiquei isolada, porém, ele sempre meigo e cavalheiro comigo.
         Ele realmente me amava, Tínhamos uma fazenda perto dali e ele, todos os dias, ia trabalhar sem a minha vigilância.
         Dois anos que eu havia me moderado, quando Antonê veio me pedir uma assinatura para vender uma fazenda.
         – Fazenda? Eu não a conheço. Como você comprou sem me dizer nada? Quem mora lá? Quem são as pessoas?
         – Meu Deus! Não há ninguém! – afirmava ele.
         – Vou lá antes de você vender!
         – Não! Chega! – disse ele – Não suporto mais! E, quer saber? Não quero mais a sua assinatura!
         E foi saindo. Antenor, o nosso vaqueiro, contou-me tudo o que estava se passando: Emília, a professora e ex-namorada do meu marido, estava lecionando em uma fazenda vizinha. E disse mais:
         – Ela não é amante dele, eles apenas se queixam de suas infelicidades.
         – Porque D. Célia, se referindo

a mim, eu já vi o Sr. Antonê sair daqui chorando, muitas vezes, dizendo: Se eu não amasse tanto a Célia, eu um dia sairia daqui e não voltaria mais!…
         – Chega! – gritei – Não quero mais ouvir!
         Antenor foi embora, e eu saí correndo até a casa da minha sogra. Porém, Deus não deixou que eu o fizesse sofrer mais: Uma camioneta me atropelou. Levaram-me para o hospital onde vim a morrer. Não falava, porém, via a todos: Minha sogra, meu marido e algumas cunhadas. Meu marido chorava com resignação. O padre veio e me deu a Extrema-unção. Foi só o que me lembrei.
         E, por muitos anos, comecei a vagar, sempre me lembrando das palavras da Extrema-unção: ressuscitar os mortos! Então tinha medo de me afastar do cemitério e perder a oportunidade.
         Não me encontrei com nenhum morto que fosse

meu conhecido, apenas um ÍNDIO, insistindo para que eu deixasse meu marido, enfim que eu abandonasse o meu mundo, aquela cidade onde era tudo para mim, onde eu ainda tinha esperanças.
         Todos os dias, pela madrugada, um silvo muito grande nos despertava e eu ficava na expectativa da ressurreição.
         E como seria, se eu não conhecia nada que pudesse acreditar? Porém, a minha mente já estava tão habituada a crer nas minhas calúnias.
         Naturalmente, foi o fenômeno habitual. Este silvo vinha de um lindo homem vestido como um centurião romano, acompanhado de uma linda mulher, também romana. Diziam coisas lindas, levavam pessoas junto com eles, porém, somente eu não me convencia.

         Um dia, chegou um enterro. Pensei: Quem seria? Sete dias depois do enterro, chegou Lazinha, uma mulher que se havia perdido e sempre estava presente. Nós nos vimos e eu quis fugir, como sempre. Ela, porém, falou:
         – Célia! Aqui também? Este é o mundo em que não pode existir orgulho!
         E, com o mesmo cinismo, desafiava-me com o olhar. Novamente, começou a contar o que havia sucedido:
         – Antonê viajou. Inácio, seu cunhado, quase matou Zeca, chofer da camioneta que te matou!
         Depois, arrematando, disse:
         – Sabe, vou embora daqui. Sim, uma coisa muito falada na cidade: Ninguém foi ao seu enterro!
         Sim, pensei – no entanto, no seu Lazinha, foi tanta gente!
         – Ah! – disse ela – graças a deus! Nunca infernizei a vida de ninguém, nem nunca
levantei calúnia a ninguém. Nem mesmo condenei Fulgêncio, que me desonrou. Meus pais me puseram para fora da fazenda. Sofri, porém, não condenei ninguém. Hoje estão arrependidos e eu me saí bem com todos. Agora vou me embora!…
         – Para onde? – perguntei. Nisto, um índio, que se dizia chamar Tucuruy, foi levando-a pela mão.
         Comecei a gritar: Ressurreição, ressurreição!… Não há ressurreição! Não para mim, uma cínica como eu! Ó, meu Deus! Como pude viver acusando e caluniando as pessoas… O que fiz! Nisto, vi ao longe, lá na sepultura, Emília e Antonê, ajoelhados, colocando uma rosa vermelha na sepultura, dizendo algumas palavras.
         Fiquei onde estava e, pela primeira vez, senti-me aliviada. Emília, a quem tanto caluniei… Logo que saíram, corri para lá e abracei a minha rosa, a última esperança na Terra, pedindo a Deus por Emília e Antonê. Nada me levaria à ressurreição. Esta rosa é minha última esperança de um perdão. Se

         Emília me perdoa, todo mundo me perdoará!
         Fiquei ali extasiada, não sei por quanto tempo, até que Tucuruy, o mesmo índio que levou Lazinha, me entregou à senhora, Tia Neiva!
         Meus filhos, eu então, me lembrei do que ensino: A MINHA MISSÃO É O MEU SACERDÓCIO. Mesmo naquela viagem de estação de águas eu era a mesma sacerdotisa dos templos.
         Encaminhei-a com amor.
         E com o mesmo amor vos entreguei meus olhos, que somente Jesus é testemunha, se, por vaidade, eu me afastar um dia.
         Carinhosamente, a Mãe em Cristo,

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